Dedutibilidade de gastos em sede de IRC – Sede da sociedade localizada na residência fiscal do sócio-gerente (PIV_25762)

Introdução

Em muitas micro e pequenas empresas, sobretudo nas que prestam serviços, é comum que a sede da sociedade coincida com a residência fiscal do sócio ou do sócio-gerente. Esta opção resulta, na maioria das situações, de razões práticas e económicas, como a redução de custos com rendas, escritórios ou instalações próprias.

No entanto, esta solução levanta frequentemente dúvidas do ponto de vista fiscal, em particular quanto à possibilidade de deduzir, em sede de IRC, determinados gastos associados ao imóvel, como eletricidade, água, internet ou comunicações. É precisamente sobre este enquadramento que importa esclarecer, à luz da legislação em vigor e da mais recente posição da Autoridade Tributária.

Enquadramento fiscal dos gastos

Quando a atividade da sociedade é exercida, ainda que parcialmente, na residência do sócio-gerente, é natural que existam gastos diretamente relacionados com essa atividade. Estamos a falar, por exemplo, de despesas com eletricidade, água, internet ou telefone, indispensáveis ao funcionamento diário da empresa.

De acordo com o n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, são fiscalmente dedutíveis os gastos que sejam comprovadamente necessários para a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto. Em teoria, não há dúvida de que estes encargos podem enquadrar-se nesse conceito quando o imóvel é utilizado como local de trabalho da sociedade.

O principal problema surge, na prática, ao nível da documentação. Regra geral, as faturas destes gastos estão emitidas em nome do sócio, enquanto titular do imóvel, e não em nome da sociedade. Ora, a legislação fiscal exige que os gastos estejam devidamente documentados e, sempre que aplicável, suportados por faturas emitidas em nome da entidade que pretende deduzi-los. Este facto tem sido, durante muitos anos, um obstáculo relevante à aceitação fiscal destes encargos em sede de IRC.

Durante bastante tempo, a Autoridade Tributária adotou uma posição rigorosa nesta matéria, recusando frequentemente a dedutibilidade de gastos quando a sede da sociedade coincidia com a residência do sócio ou sócio-gerente.

A recente posição da Autoridade Tributária

Este entendimento veio a conhecer alguma flexibilização com a Informação Vinculativa, Processo n.º 25762, com despacho de 2 de setembro de 2024, da Direção de Serviços do IRC.

Neste esclarecimento, a Autoridade Tributária foi chamada a pronunciar-se sobre a possibilidade de deduzir, em sede de IRC, despesas com eletricidade, água, internet e telefone, numa situação em que a sede da sociedade se encontrava na residência do sócio-gerente. Foi ainda analisada a alternativa de celebração de um contrato de arrendamento entre o sócio e a sociedade.

A Autoridade Tributária admitiu que pode ser aceite a imputação à sociedade de uma quota-parte dos encargos suportados pelo sócio, mesmo quando as faturas estejam emitidas em nome deste, desde que exista um acordo formal entre as partes. Esse acordo deverá identificar claramente quais as despesas a imputar à sociedade e definir um critério de repartição dos gastos.

O critério utilizado deve ser razoável, objetivo e facilmente justificável. A Autoridade Tributária refere, a título exemplificativo, a repartição proporcional com base na área do imóvel utilizada pela sociedade em relação à área total do imóvel, admitindo, contudo, que possam ser utilizados outros critérios adequados, desde que devidamente fundamentados.

Em alternativa, pode ser celebrado um contrato de arrendamento entre o sócio-gerente e a sociedade, relativo à parte do imóvel afeta à atividade empresarial. Neste caso, as rendas e encargos associados poderão ser considerados gastos dedutíveis em IRC, desde que cumpram o requisito da indispensabilidade previsto no artigo 23.º do Código do IRC.

Importa ainda salientar que, em qualquer destas situações, estamos perante operações entre entidades relacionadas. Como tal, devem ser praticadas condições equivalentes às de mercado, assegurando o cumprimento do regime de preços de transferência previsto no artigo 63.º do Código do IRC.

Impacto no regime de reinvestimento em sede de IRS

Para além das implicações em sede de IRC, é fundamental alertar para as consequências que esta afetação pode ter em sede de IRS, nomeadamente no regime de reinvestimento das mais-valias.

Quando a sede da sociedade coincide com a residência do sócio, o imóvel deixa de estar afeto em exclusivo à habitação própria e permanente. Nestes casos, e de acordo com o entendimento reiterado da Autoridade Tributária, a eventual venda do imóvel não permite a aplicação do regime de reinvestimento previsto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, ainda que os restantes requisitos estejam cumpridos.

Esta posição foi confirmada, entre outros, pela Informação Vinculativa, Processo n.º 23809, com despacho de 29 de dezembro de 2023, sendo entendimento da Autoridade Tributária que apenas os imóveis exclusivamente afetos à habitação própria e permanente beneficiam desse regime.

Conclusão

A utilização da residência do sócio-gerente como sede da sociedade pode ser uma solução prática e financeiramente eficiente, mas exige um enquadramento fiscal rigoroso. A recente posição da Autoridade Tributária abre espaço à dedutibilidade de determinados gastos em sede de IRC, desde que exista um acordo formal, critérios objetivos de repartição e respeito pelas regras aplicáveis a entidades relacionadas.

No entanto, esta opção pode ter impactos relevantes noutras áreas, como a tributação de mais-valias em IRS, pelo que deve ser analisada de forma integrada e preventiva.

Na AFM, acompanhamos empresas e indivíduos na análise destas situações, ajudando a estruturar soluções fiscalmente seguras e adequadas à realidade de cada negócio. Para esclarecimento de dúvidas ou para uma análise personalizada, pode contactar-nos através do email info@afm.tax ou agendar uma reunião com os nossos consultores fiscais diretamente no nosso site, em www.afm.tax.

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